D. Afonso Henriques e os Dois Tronos: Entre Zamora e Santa Cruz, Caminhos da Fundação de Portugal

Introdução

Em 2025 assinalam-se 900 anos da armadura de cavaleiro de D. Afonso Henriques, ocorrida na cidade de Zamora em 1125. Este momento fundador da história nacional ganha nova expressão com a criação de uma escultura contemporânea que homenageia o ato público inaugural daquele que viria a ser o primeiro rei de Portugal.

Paralelamente, o Trono de Santa Cruz, em Coimbra, permanece como símbolo da eternização da autoridade régia. Este artigo de Gaspar do Amaral propõe uma reflexão sobre o significado de ambos os tronos, articulando elementos artísticos, históricos e simbólicos, com base em fontes literárias fundamentais da historiografia portuguesa.


Zamora, 1125: A Primeira Cátedra do Jovem Cavaleiro

D. Afonso Henriques foi armado cavaleiro na Catedral de Zamora, em 1125, com cerca de 14 anos. José Mattoso escreve que este gesto “não pode ser entendido apenas como rito de passagem nobre, mas como ato político com dimensão simbólica profunda” (D. Afonso Henriques, 2006).

O escultor Dinis Ribeiro, autor do trono instalado hoje (05.05.2025) no Largo do Toural (Guimarães), parece interpretar essa cerimónia como o primeiro exercício de soberania do futuro rei. A peça, feita em ferro oxidado e pedra bruta, inscreve o local e o ano do acontecimento: “Catedral de Zamora – Ano: 1125”.

Na conceção do autor deste artigo, este trono moderno pode representar a cátedra invisível do Reino de Portugal, simbolizando a intuição de uma autoridade que ainda não existia formalmente, mas que já se fazia sentir no espírito e ação do jovem infante.

Como nota Rui de Azevedo, este ato “dá início à separação efetiva de Afonso em relação à autoridade de sua mãe, D. Teresa, e sinaliza um projeto de afirmação pessoal e territorial” (A Fundação de Portugal, 1958).


A Cátedra de Pedra em Santa Cruz: Um Trono para a Eternidade

No Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, encontra-se o chamado Trono de Afonso Henriques — uma cadeira de pedra que data do século XVI, erguida durante a reforma manuelina do espaço. Segundo Carlos Morais, este trono “não foi usado por Afonso Henriques em vida, mas foi concebido como instrumento de culto político e memória régia” (O Mosteiro de Santa Cruz, 2012).

O trono foi colocado junto ao túmulo do rei, num local onde autoridade, fé e história se fundem. Mas mais do que símbolo de poder, trata-se de um marco de consagração espiritual. O monarca não está ali para se sentar, mas para ser lembrado.

O autor deste artigo, Gaspar do Amaral, entende, com base nas leituras das fontes e tradições, que Afonso Henriques via a sua missão não como algo estático, mas como movimento constante. Não procurava um trono terrestre, mas talvez acredita-se num trono celestial no Reino de Jesus de Nazaré. A sua vida foi marcada pela ação, pelo percurso, pela guerra com a cruz verdadeira, pela fé na conquista.

Como refere Alexandre Herculano, “não foi no palácio que este homem se fez rei, mas na sela do cavalo e nos campos da batalha” (História de Portugal, 1856, Vol. I).


Via Regis: O Rei da Conquista

Esta visão encontra eco na Via Regis, projeto promovido pela Associação Grã Ordem Afonsina, que procura mapear o percurso histórico e espiritual de D. Afonso Henriques por Portugal e pelo norte da Península Ibérica.

O trono moderno que viaja agora até Zamora inscreve-se nesse caminho simbólico. É um trono que anda, um símbolo em movimento, evocando o rei que não se sentava para reinar, mas caminhava cavalgando para conquistar.

“O verdadeiro trono de Afonso Henriques foi a marcha, o movimento para a liberdade. Foi o chão do território que ele pisava, legitimado pelas armas e pelo espírito de independência.” — Gaspar do Amaral, notas pessoais, 2025.


Referências Distribuídas e Citadas

  • José Mattoso (2006)D. Afonso Henriques. Lisboa: Círculo de Leitores. “Não pode haver dúvida de que a armadura em Zamora foi o ponto de inflexão que marcou o início de um percurso de emancipação.” (p. 62)
  • Carlos Morais (2012)O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra: Arte, Memória e Poder. Coimbra: CECH. “O trono de pedra foi integrado como parte de um programa iconográfico e político que reforçava o papel de Santa Cruz na identidade nacional.” (p. 89)
  • Rui de Azevedo (1958)A Fundação de Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional. “A armadura em Zamora, ao serviço de interesses próprios, marca o nascimento do Portugal independente.” (p. 33)
  • Alexandre Herculano (1856)História de Portugal, Tomo I. “A grandeza de Afonso Henriques não se construiu entre tapeçarias e cerimónias de corte, mas entre escudos fendidos e espadas erguidas.”
  • Associação Grã Ordem Afonsina (2025) — Programa oficial da Via Regis.

Conclusão

Portugal nasceu entre as armas, na Batalha de São Mamede a 24.06.1128, com a fé de Deus. Os dois tronos de Afonso Henriques — o de pedra, eterno, e o de ferro, móvel — podem revelar as duas faces da sua história: a sacralização do poder e a ação do fundador.

Ao revisitar Zamora com arte e memória, este jubileu dos 900 anos não é apenas comemoração: é um gesto de reencontro com o início da Portugalidade.

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